Perda no Piratini26/03/2013 | 06h32
Polícia abre nova frente de
investigação sobre morte de secretária das Mulheres
Delegada apura se tratamento de emagrecimento tem relação com óbito de
Márcia, de 35 anos
Márcia, que faleceu
no dia 13, aos 35 anos, comandava a Secretaria de Políticas para as MulheresFoto: Claudio
Fachel / Palácio Piratini/Divulgação
A suspeita de que o uso de medicação para emagrecer pode ter contribuído
de alguma forma para a morte da secretária estadual de Políticas para as
Mulheres, Márcia Santana, levou a Polícia Civil a abrir uma nova frente de
investigação no caso.
Márcia, 35 anos, foi encontrada morta no banheiro de sua casa no dia 13.
Desde então, a hipótese mais provável era de que a secretária tinha sido vítima
de um mal súbito.
Um resultado preliminar da perícia sobre a causa da morte levou a
polícia a direcionar a investigação para o tratamento de emagrecimento que
Márcia estava fazendo junto com o marido, Claudiomiro Ambrózio. Entre as
medicações prescritas ao casal — conforme atestam o depoimento do marido e o
receituário apreendido pela polícia — está o HCG injetável.
Chamou a atenção da polícia por se tratar de um medicamento cujo uso não é aprovado por médicos e
entidades como a Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia para
tratamento de obesidade. O HCG (hormônio da gravidez) é usado em
tratamentos para a infertilidade, segundo a Anvisa. A polícia quer saber se o
HCG ou a combinação de remédios prescritos por um cirurgião plástico* podem ter
alguma relação com a morte.
A polícia apurou que Márcia e o marido começaram a tomar injeções
diárias de HCG uma semana antes da morte. O medicamento teria sido vendido e
aplicado pelo próprio médico no consultório. As circunstâncias deste
atendimento estão sob investigação, já que o Código de Ética Médica proíbe que
médicos vendam medicações.
No consultório, a polícia apreendeu injeções preparadas para aplicação e
também embalagens indicando que o HCG foi importado da Alemanha e da Argentina.
Conforme a delegada Nadine Tagliari Farias Anflor, a agenda do consultório
revelou que o tratamento é corriqueiro para o cirurgião.
Segundo a polícia, ele admitiu atender entre dois e quatro pacientes com
a mesma prescrição por dia. A delegada aguarda o resultado da perícia:
— Vamos verificar se os medicamentos contribuíram ou não para a morte.
*De acordo com o Guia de Ética e
Autorregulamentação Jornalística do Grupo RBS, o nome do médico não está sendo
divulgado porque não está evidenciado seu envolvimento na causa da morte da
secretária.
Entidades desaprovam uso de hormônio
Logo depois da morte de Márcia Santana, policiais apreenderam na
residência dela dois frascos de medicação. Cada embalagem custou R$ 1,4 mil e
serviria para uma semana de tratamento.
O material está sendo analisado por peritos. Em menos de uma semana de
tratamento, que foi aliado à dieta alimentar, Márcia e o marido já haviam
perdido quatro quilos cada um.
Maria Edna, endocrinologista e
diretora da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome
Metabólica (Abeso), afirma que, se uma pessoa conseguir mudar o hábito
alimentar, perderá peso, mesmo sem tomar remédio. A associação desaconselha o
uso de terapias sem fundamento científico, como o HCG.
O risco do uso excessivo de hormônios como o HCG, que podem levar ao
desenvolvimento de câncer, fez o Conselho Federal de Medicina emitir, ano
passado, uma resolução proibindo a prescrição deste tipo de substância em
tratamentos antienvelhecimento. Até o momento, a entidade não recebeu consulta
sobre a indicação do HCG para emagrecimento. Se receber, fará um estudo para
emitir parecer. O conselho no RS também não tem recomendação sobre o assunto,
segundo informou a ZH a assessoria de imprensa.
Já em Mato Grosso do Sul, o conselho emitiu parecer: "O uso do HCG
no tratamento de obesidade não é recomendado por não apresentar evidências
científicas que corroborem a sua eficácia, bem como trata-se de terapêutica com
malefícios". Segundo a médica Rosana Leite de Melo, que assinou o parecer,
há trabalhos científicos indicando que o uso do HCG pode causar embolia
pulmonar e outros efeitos colaterais graves:
— Não existem registros de morte ou de pessoas que tenham sofrido esses
efeitos decorrentes do uso do HCG justamente porque é um tratamento para
emagrecer não indicado. Por isso, achamos importante divulgar para que os
pacientes conheçam os riscos. Uma coisa é estar sujeito a esses riscos para
fazer um tratamento de fertilidade, com acompanhamento médico correto, e para o
qual o HCG é indicado. Outra coisa é usar o HCG e correr esses riscos sem que o
resultado para emagrecer tenha comprovação.
A Sociedade Brasileira de
Endocrinologia e Metabologia (SBEM) também desaprova a prescrição do HCG para
quem busca reduzir peso.
— Temos diretrizes sobre tratamento para emagrecer e nelas não consta o
uso de HCG. Ele não tem nenhum fundamento científico — diz o endocrinologista
Airton Golbert, ex-presidente da SBEM.
Médico defende tratamento de Márcia
O cirurgião plástico prestou depoimento por quase três horas na tarde de
segunda-feira. Conforme o advogado Nereu Lima, seu cliente disse que prescreve
o tratamento com o HCG para emagrecimento há mais de 20 anos e que nunca houve
problema.
O médico sustentou que os níveis do hormônio usados não podem ter
contribuído para a morte, pois a quantidade ministrada seria muito baixa.
O médico negou vender o medicamento. Ele disse, conforme o advogado, que
cobra o tratamento para emagrecimento, no qual estão incluídas as doses exatas
do hormônio. Quanto ao fato de que entidades médicas desaprovam o uso do HCG
para perda de peso e atestam que não há respaldo científico, o cirugião disse à
polícia que indica o hormônio como uma forma de proteção ao organismo, para que
o corpo suporte uma dieta rigorosa de apenas 500 calorias por dia.
— Houve uma morte prematura, e a delegada está procurando investigar a
fundo, com muita responsabilidade e cautela. É importante salientar que não há
qualquer acusação de crime — destacou Nereu Lima.
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